Da modulação dos efeitos da decisão sobre a tributação das operações com softwares e seus reflexos

O Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 1.945 e 5.659, que incide ISS e não ICMS sobre as operações de softwares, seja licenciamento ou cessão de direito de uso. Na decisão, o Tribunal entendeu que “o simples fato de o serviço encontrar-se definido em lei complementar como tributável pelo ISS já atrairia, em tese, a incidência tão somente desse imposto sobre o valor total da operação e afastaria a do ICMS”.

Diante das diversas discussões e situações envolvendo a questão, os Ministros voltaram a discutir a temática no final de fevereiro, mas com enfoque na modulação dos efeitos da decisão. 

Após a modulação dos efeitos, restaram estabelecidas as seguintes hipóteses de tratamento tributário da questão:

  1. Os contribuintes que recolheram apenas o ICMS até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito não terão direito à repetição de indébito, pois será considerado como se ISS fosse, bem como os Municípios não poderão cobrar ISS.
  2. Os contribuintes que recolheram somente o ISS terão validados os pagamentos e, por consequência, os Estados não poderão cobrar ICMS.
  3. Os contribuintes que não recolheram nem o ICMS e nem o ISS até a véspera da publicação da ata de julgamento poderão sofrer a cobrança de ISS pelos Municípios, respeitado o prazo prescricional. Nesses casos, os Estados não poderão cobrar o ICMS.
  4. Os contribuintes que recolheram ICMS e ISS, mas não moveram ação de repetição de indébito (hipótese de bitributação), terão a possibilidade de restituir o ICMS, mesmo sem ter ação em curso, sob pena de enriquecimento ilícito dos Estados. E terão validados os recolhimentos de ISS.
  5. Ações judiciais pendentes de julgamento movidas por contribuintes contra os Estados, inclusive de repetição de indébito, nas quais se questiona a cobrança do ICMS, deverão ter o julgamento à luz da orientação do STF de que incide ISS e não ICMS em operações de softwares e terão a possibilidade de repetição do ICMS pago indevidamente.
  6. Ações judiciais, inclusive Execuções Fiscais, pendentes de julgamento movidas por Estados visando à cobrança do ICMS quanto a fatos ocorridos até a véspera da data de publicação da ata de julgamento, deverão ter o julgamento à luz da decisão do STF, com incidência apenas do ISS.
  7. Ações judiciais, inclusive Execuções Fiscais, pendentes de julgamento movidas por municípios visando a cobrança de ISS quanto a fatos ocorridos até a véspera da data de publicação da ata de julgamento, deverão ter o julgamento à luz da orientação do STF, com incidência do ISS, salvo se o contribuinte já recolheu o ICMS.
  8. Ações judiciais pendentes de julgamento movidas por contribuintes contra Municípios, discutindo a incidência do ISS sobre operações de softwares até a véspera da data de publicação da ata de julgamento, deverão ter o julgamento à luz da orientação do STF, com incidência do ISS.

Importante destacar que, diante deste entendimento formado pelo STF, além de todas as consequências que o tema implica para os Estados e Municípios, há também possíveis reflexos sobre as relações tributárias mantidas entre as empresas de tecnologia e a Receita Federal, no que diz respeito ao IRPJ sob a sistemática do Lucro Presumido. Explica-se.

Como se sabe, a Receita Federal possuía o entendimento de que, em casos de software de prateleira, o percentual de presunção a ser aplicado, para apuração do IRPJ, era de 8%, por considerar a atividade como comercialização de produtos (sujeita ao ICMS), e, quando o software fosse desenvolvido sob encomenda, estaria sujeito à aplicação da base presumida ao percentual de 32%, por considerar a atividade inerente como prestação de serviço (sujeito ao ISS). 

Tal fato é observado pela leitura da Solução de Consulta COSIT nº 99004/2020:

“Em relação a isso, considera-se que as adaptações feitas no produto pronto para cada cliente, representam meros ajustes no programa, permitindo que o software (que já existia antes da relação jurídica) possa atender às necessidades daquele cliente. Tais adaptações não configuram verdadeira encomenda de um programa e, portanto, as respectivas receitas não são auferidas em decorrência da prestação de serviços. Logo, nestes casos, o percentual aplicável é de 8% (oito por cento).
Contudo,
caso se verifique que essas adaptações representem, em verdade, o próprio desenvolvimento de um programa aderente às necessidades do cliente e impliquem nova versão do produto ou sejam significativas ao ponto de não se enquadrarem como os meros ajustes mencionados, configurada estará a prestação de um serviço, o que sujeita a receita decorrente ao percentual de presunção de 32% (trinta e dois por cento).”

Ocorre que, acreditamos possível, após a nova classificação dada pelo STF, de que, não importa a forma de disponibilização do software (se “de prateleira” ou “personalizado”) está-se diante de um serviço, por isso sujeito ao ISS, que a Receita Federal poderá se manifestar, alterando as soluções de consulta existentes, no sentido de que não há mais que se falar na aplicação da base de presunção de 8% para as atividades que envolvem softwares, mas apenas na base de presunção de 32%.

Destacamos que, caso ocorra uma alteração do entendimento da Receita Federal, por meio de nova Solução COSIT, nos termos do art. 17 da Instrução Normativa nº 1.396/2013, a alteração de entendimento expresso em Solução de Consulta sobre interpretação da legislação tributária, alcança apenas os fatos geradores que ocorrerem depois da sua publicação na Imprensa Oficial. Portanto, os contribuintes não estariam sujeitos a uma contingência referente ao passado.

Entretanto, caso a Receita Federal passe a determinar a utilização da base presumida de 32% para todas as operações envolvendo software, recomendamos que seja realizada uma análise mais detalhada caso a caso, sobre possíveis formas de mitigar esse aumento de tributação.

Conclui-se, portanto, que esta recente decisão do STF, transcende à tributação do ISS ou ICMS, vez que, pode gerar reflexos significativos sobre a base de cálculo IRPJ apurado sob o regime do Lucro Presumido.

Por Camila Marinho, Fernanda do Nascimento e Regiane Furtado Croesy Jenkins

A Equipe DMGSA – Domingues Sociedade de Advogados permanece à disposição para esclarecimentos adicionais sobre o tema acima.

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