DIFERENÇAS ENTRE DIREITO SUCESSÓRIO E DIREITO SOCIETÁRIO

Desde os primórdios das civilizações, questões envolvendo sucessão hereditária e o tratamento a ser conferido ao patrimônio da pessoa falecida são enfrentadas. Na antiguidade, a sucessão era sustentada na religião, tendo como registro histórico mais remoto o Pentateuco (velho testamento), base da religião judaica. Como regra, o patrimônio era mantido dentro da família, entregue aos descendentes sem diferenciação entre filhos homens ou mulheres. Já na Roma Antiga, a filha não herdava do pai se fosse casada, enquanto que no direito grego ela não herdava em nenhum caso. No Brasil, devido ao sistema patrimonialista presente nos países ocidentais, o Código Civil Brasileiro de 1916 regulou, no âmbito do denominado “Direito Sucessório”, o modo de aquisição do patrimônio pelos herdeiros em razão da morte de seu proprietário, chamada então de sucessão causa mortis. No momento do falecimento, podem surgir aparentes conflitos entre as normas de Direito Sucessório e as especificidades do “Direito Societário”, ramo do direito que se ocupa do estudo das sociedades em geral e de questões atinentes aos seus sócios e administradores. Caso o falecido tenha deixado, como bens, participações societárias, os herdeiros ingressarão ou não nos quadros societários dessas sociedades? Eles substituem o falecido na posição de sócio por ele antes ocupada? Pelo Princípio de Saisine, previsto no Artigo 1.784 do Código Civil Brasileiro, no momento da morte do autor da herança, esta é imediatamente transmitida aos herdeiros legítimos e testamentários. Em outras palavras, o Direito estabeleceu que, mesmo que ainda não levadas a cabo as formalidades necessárias para a efetiva transmissão dos bens aos sucessores, como o inventário, a partilha de bens e demais providências acessórias (transferências em documentos de veículos e matrículas, no caso de imóveis) a herança é transmitida aos herdeiros, evitando, assim que esse conjunto de bens fique sem titular por qualquer período de tempo. Até que se proceda com a divisão dos bens entre os herdeiros – quem ficará com o quê – esse conjunto de bens é tratado como um todo e denominado de “espólio”, cabendo ao inventariante praticar atos a respeito dos bens como seu representante. Faz-se importante ressaltar que os herdeiros só respondem pelas dívidas até o limite da herança, não podendo afetar o patrimônio do herdeiro as dívidas do falecido. A sucessão legítima é aquela em que incide as regras legais de sucessão, enquanto que a sucessão testamentária, o autor da herança, ainda em vida, dá destino ao seu patrimônio, como seu último ato de vontade. É possível a existência das duas formas de sucessão ao mesmo tempo. Entende-se que a sucessão será legítima quando não houver testamento, quando este for julgado nulo ou caducar e quando não esgotar o patrimônio do herdeiro. Através do testamento é possível a disposição dos bens total (se não houver herdeiros necessários) ou parcial (parcela disponível do patrimônio). Importante destacar que a pessoa pode lavrar o testamento por quantas vezes desejar, valendo o último testamento antes do falecimento. Direito Sucessório X Direito Societário: conflito? Vimos que pelo Princípio de Saisine os ativos da herança são automaticamente transferidos ao conjunto de herdeiros. Retomando a pergunta feita no início desse texto: isso significa que os herdeiros (ou àquele a que for partilhada a participação societária) necessariamente ingressará na sociedade? A resposta é negativa. Isto porque, no âmbito do direito das sociedades, em especial das sociedades limitadas e as de cunho familiar, impera a denominada affectio societatis.[1] Por esse princípio, entende-se que os sócios de determinada sociedade desejam associar-se para a consecução de determinado objeto social, necessariamente com aqueles determinados sócios. Assim, não poderia haver norma que obrigasse os sócios remanescentes a aceitar o ingresso do herdeiro de sócio falecido a qualquer custo, tampouco que obrigasse o herdeiro a ingressar na sociedade (liberdade de associação).   Sob tal prisma é que o Código Civil estabeleceu como regra geral, em seu Artigo 1.028, que, no caso de morte de sócio, sua quota deverá ser liquidada e os haveres apurados e pagos pela sociedade.[2] Desse modo, com o falecimento do sócio, em relação à participação societária deixada o herdeiro passa a ser titular crédito contra a sociedade, o qual será quitado mediante seu ingresso nela (passando a ocupar a posição de sócio) ou por meio do recebimento dos haveres, visto que a composição social da empresa implica na escolha pessoal de cada pessoa, suas características e qualidades intrínsecas. Cabe observar que os sócios podem regular no contrato ou estatuto social as regras para ingresso de herdeiros na sociedade. Tem-se como possibilidades: (i) proibir o ingresso de herdeiros, devendo ser pagos seus haveres; (ii) permitir o ingresso de herdeiros, caso em que, se estes assim o desejarem, ocuparão o cargo de sócios ou, em caso negativo, receberão o pagamento dos haveres; (iii) prever a dissolução total (extinção) da sociedade; e (iv) relegar aos sócios remanescentes (geralmente por maioria) a deliberação sobre a recepção ou não do sucessor na qualidade de sócio, desde que este assim deseje. É possível ainda aos sócios de determinada sociedade estabelecer critérios para a recepção desses herdeiros, como exigir determinada capacitação, a exemplo da área da administração de empresas, ou idade mínima para ingresso, cabendo tal regulação nos atos constitutivos ou em acordo de acionistas. A DMGSA – Domingues Sociedade de Advogados atua nas áreas do direito societário, fusões e aquisições (M&A), tributário, família e sucessões. Entre em contato e deixe seu caso nas mãos de especialistas. Com a colaboração de Gabriel Zugman www.dmgsa.com.br [1] Como regra, nas sociedades empresárias do tipo anônima não impera o princípio da affectio societatis. Contudo, Doutrina e Jurisprudência vêm flexibilizando tal entendimento a partir da análise do caso concreto, por exemplo, a uma sociedade familiar constituída sob a roupagem de sociedade anônima o aspecto de afinidade entre os sócios tem relevância, analogamente ao que ocorre em uma sociedade limitada. [2] Apuração de haveres no caso é o procedimento de avaliação da participação societária do sócio, seja o que se retira da sociedade ou o que falece. Para maiores informações sobre critérios para apuração de haveres favor acessar: http://www.dmgsa.dreamhosters.com/sem-categoria/criterios-para-apuracao-de-haveres/]]>