LEI DA REPATRIAÇÃO, PRÉ-CONCEITO OU PRECONCEITO

Lei da Repatriação, pré-conceito ou preconceito

Senhor de origem estrangeira, 81 anos, personalidade forte e altruísta, viveu toda a sua vida profissional como executivo de instituições financeiras no exterior. Mago das finanças, amealhou um importante patrimônio durante a sua atividade profissional. Há 18 anos atrás, quando se aposentou, retornou para o Brasil. No primeiro ano, não tinha certeza se realmente ficaria por aqui, mas aí nasceu o seu neto e, junto com ele, veio a certeza: era aqui ao lado dele que ele deveria ficar. E o que isso tudo tem a ver com a Lei da Repatriação, pré-conceito e preconceito? Lei da Repatriação Esse senhor, apesar de ter pagado todos os tributos sobre a sua renda enquanto executivo de instituições financeiras no exterior, no seu retorno ao Brasil deixou de declarar os seus investimentos financeiros amealhados no exterior. Em outras palavras, hoje ele é um residente fiscal brasileiro que mantém investimentos financeiros no exterior, sem registro na receita federal ou banco central brasileiro, em que pese a sua origem absolutamente lícita. É aí que entra a Lei da Repatriação. Pré-conceito A sua decisão de não declarar esses bens nasceu da simples incerteza quanto à sua definição de residência ou não no Brasil, mas, logo depois, quando decidiu aqui se fixar, veio o pré-conceito: “Doutor, era 1999, forte desvalorização do real, migração do câmbio fixo para o flutuante, calote do estado de MG, apagão em 10 estados, lembra-se daquele deputado da motosserra? Ele foi afastado por envolvimento com crime organizado, enfim a insegurança política e jurídica era muito grande. Aliás, será que hoje já temos segurança? Será que as instituições do Brasil são confiáveis, posso acreditar que isso vai mudar e que a Lei da Repatriação vai ser respeitada?” Parecia que esse filme do ano de 1999 estava na cabeça dele em muitas noites mal dormidas. E ele tem razão, no quesito insegurança somos campeões, a história brasileira está repleta de exemplos, independentemente da data que se resolva verificar. Quantos bilhões deixam de ser regularmente declarados por esse pré-conceito existente entre os brasileiros? A própria exposição de motivos do Ministério da Fazenda nos dá a seguinte notícia: “Estimativas indicam que a arrecadação aos cofres da União poderá atingir cerca de 100 a 150 bilhões de reais. De fato, dados revelam que os ativos no exterior não declarados de brasileiros podem chegar a US$ 400 bilhões. São dados estimados, mas o caso do Brasil destoa de todos os demais, em virtude dos motivos que induziram muitos a destinar ou manter recursos fora do País. Basta pensar nos sucessivos planos econômicos, como os Planos Cruzado I e II (1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989), Planos Collor I e II (1990 e 1991) e Plano Real (1994). Foram as dificuldades no passado para pagamentos no exterior e diga-se o mesmo quanto aos momentos de instabilidades cambial, política ou de crises internacionais.” Preconceito De outro lado, enquanto escrevo essas linhas vejo notícias dizendo: os aderentes da lei da repatriação são todos criminosos, a lei da repatriação é a oficialização da lavagem de dinheiro, da forma como está sendo operado o sistema, a lei abre uma brecha para institucionalizar a lavagem de dinheiro e o MP usa dados de repatriação em investigações. Infelizmente o pré-conceito virou preconceito. Começa com uma simples generalização, mas é repetida tantas vezes, inclusive por autoridades que deveriam zelar pelas nossas instituições, que, quando menos percebemos virou preconceito e chegou dentro de casa. Diz o senhor de 81 anos, com a voz embargada e lágrimas nos olhos: “Tudo o que tenho lá fora veio da folha de pagamento de grandes instituições financeiras internacionais onde fui empregado, paguei todos os tributos, mas estou disposto a pagar novamente, faço a adesão a Lei da Repatriação. Preciso, no entanto, que o Doutor fale com o meu neto. Ele é a coisa mais importante para mim, hoje ele está com 17 anos, cresceu ao meu lado e sempre me ouviu sobre a importância da ética e da solidariedade humana, mas, depois que ele soube dessa minha situação irregular, se afastou de mim, me chama de criminoso e diz que os meus ensinamentos de nada valem se eu não os pratico. Diz que eu estou lavando dinheiro com o uso de uma lei descabida.” Isso tudo não é ficção, é vida real, trata-se de uma das centenas de situações que vivo no atendimento de aderentes da lei da repatriação. Em cada atendimento, se verifica que não é só de Direito ou Contabilidade que vive a lei da repatriação, mas de muitos conflitos emocionais e psicológicos. A imagem desse neto, que pode parecer exageradamente distorcida, não foi construída isoladamente, infelizmente ela está fundada num preconceito que nos cerca cada vez mais: o ímpeto de algumas autoridades em transformar todos os aderentes à lei da repatriação em criminosos confessos. Dentre os aderentes da lei da repatriação, certamente tem gente errada, mas também tem muito mais gente de bem que está tentando acreditar no nosso Brasil e merece confiança e respeito. Para os excessos, tem as ferramentas da própria lei que os exclui sumariamente do programa, tem polícia e ministério público. O que não se pode fazer é generalizar essa conduta repressiva por conta de algumas poucas exceções. Finalmente temos um instrumento legal que nos possibilita a regularização dessas situações construídas pela própria insegurança econômica e jurídica do nosso país. No entanto, essa conduta repressiva ou o marketing do terror alardeada por algumas autoridades e instituições podem pôr tudo a perder, porque geram insegurança e desviam as pessoas de bem do regime de regularização cambial e tributária. De outro lado, o acesso por parte das autoridades brasileiras das informações relativas aos bens no exterior já está acontecendo e vai ficar cada vez mais amplo e assertivo. Logo, apesar de todo o preconceito existente, a adesão à lei da repatriação continua recomendável, é uma questão de tamanho de risco: entre enfrentar os excessos dessas mesma autoridades, sem a adesão à lei, e o cenário de enfrentamento com a adesão, em que entendo ficarmos muito mais fortes com os instrumentos da própria lei da repatriação.   *Nereu Domingues, advogado e contador, é sócio fundador do escritório Domingues Sociedade de Advogados, especializado na gestão jurídica do patrimônio e autor da obra Crônicas da Lei da Repatriação e os segredos para investimento seguros e rentáveis no exterior, editora Hum. Publicações   Fonte: Portal Estadão (http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/lei-da-repatriacao-pre-conceito-ou-preconceito/)]]>