Artigo: Uma chef de cozinha, um M&A e as cláusulas de ‘earn-out’

“É necessário que vendedor e comprador amenizem suas divergências de negociação e definam metas apropriadas e sensatas que promovam ganhos para ambos os lados”

Por Nereu Domingues*

Nos últimos dias fomos surpreendidos com o conteúdo de um antigo vídeo de uma chef de cozinha, que apresenta uma receita de M&A para degustação das quotas de um grupo de sócios, supostamente de forma mais saborosa, uma vez que o ingrediente adicionado por ela proporcionou importante redução no preço dos sócios que foram embora. 

Ao acompanhar esta notícia, me veio à mente a importância de se observar algumas regras e condições ao se comprar e vender um negócio. Em especial, gostaria de falar sobre breves e elementares noções da cláusula chamada earn-out, presente em alguns contratos de fusões e aquisições de empresas (M&A) e que, face à característica de utilização de resultados futuros, pode estar sujeita ao mesmo ingrediente depreciativo da chef de cozinha.

A avaliação de uma empresa define o quanto esta vale e geralmente é tomada utilizando-se de expectativas de rentabilidade futura, ainda que, entre outros, também se utilize do histórico de resultados anteriores à transação. Quem vende a empresa não quer aceitar qualquer desconto no preço, mas quem compra também não quer se arriscar a pagar por um futuro muitas vezes incerto, ainda mais se o comprador não está presente no dia-a-dia do negócio. 

Diante desse impasse é que surge o mecanismo do earn-out, que nada mais é do que um valor atrelado ao preço de compra, mas que somente será pago no futuro se algumas metas, acordadas previamente entre os dois lados, forem atingidas. O cuidado aqui é justamente definir tais metas e critérios a serem alcançados, a fim de que o earn-out seja aplicado de forma justa para ambas as partes. Em outras palavras, o earn-out sempre trará uma perspectiva de valor que o vendedor quer receber, mas o comprador não quer pagar. 

A exemplo da receita da chef de cozinha, o comprador, muitas vezes, a fim de evitar o pagamento do earn-out, pode se valer dos comportamentos mais conservadores ou até mesmo de artifícios que impedem que as metas definidas nesta cláusula sejam atingidas. Além disso, em tempos pós-Covid, os compradores ficaram ainda mais céticos e exigentes e tendem a concordar que o valor de uma empresa hoje pode mudar drasticamente amanhã, por forças externas ao negócio (efeito adverso relevante). 

Em resumo, vejo que a inclusão da cláusula de earn-out nos contratos de M&A pode ser bem-sucedida. Entretanto, é necessário que vendedor e comprador amenizem suas divergências de negociação e definam metas apropriadas e sensatas que promovam ganhos, para ambos os lados, bem como oportunizem a transparência e participação mútua em decisões que possam impactar as metas. 

Afinal, uma boa negociação é aquela em que ninguém é passado para trás. Penso que em uma boa relação negocial, se você quer obter algo positivo das pessoas com quem está lidando, sempre deve começar oferecendo algo positivo a elas, visto que somente quando se promove um ambiente de confiança, um lado terá a liberdade de dizer o que lhe interessa e o outro, o que realmente precisa. 

(*) Nereu Domingues é sócio fundador da DMGSA – Domingues Sociedade de Advogados e Mestre em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais.

Publicação original do site O GLOBO. (https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2022/05/artigo-uma-chef-de-cozinha-um-manda-e-as-clausulas-de-earn-out.ghtml)