A tributação na comercialização de créditos de carbono à luz do decreto nº 11.550/2023

Um crédito de carbono é uma unidade que representa a redução de uma tonelada de emissões de dióxido de carbono (CO2) ou de gases de efeito estufa equivalentes. Ele faz parte de um mecanismo chamado “cap and trade” (limite e comércio) ou sistema de comércio de emissões, que visa controlar e reduzir as emissões de gases que contribuem para as mudanças climáticas. Empresas ou projetos que conseguem reduzir suas emissões abaixo de um limite preestabelecido recebem créditos de carbono, que podem ser vendidos no mercado para outras organizações que excedem suas metas de emissões.

Esse mercado está em expansão devido a uma crescente conscientização sobre as mudanças climáticas e a necessidade de reduzir emissões. Além disso, muitos governos e empresas estão adotando metas de neutralidade de carbono, impulsionando a demanda por créditos de carbono como uma maneira de compensar suas próprias emissões e acelerar a transição para uma economia de baixo carbono.

Diante deste cenário, tem-se discutido no Brasil, há alguns anos, qual o tratamento tributário deve ser dispensado às negociações envolvendo créditos de carbono. Para se chegar a esta resposta é importante, inicialmente, definir qual a natureza destes créditos para fins legais.

A Receita Federal se manifestou acerca do tema pela primeira vez em 2009, por meio da Solução de Consulta DISIT/SRRF06 nº 193/2009, onde ficou consignado o entendimento de que os créditos constituiriam um direito subjetivo de seu titular e, portanto, teriam a natureza de um bem intangível, integrante de seu patrimônio.

Na ocasião, ao responder aos questionamentos do contribuinte que cedia créditos de carbono para empresa no exterior, ficou registrado que as receitas desta cessão estariam sujeitas ao percentual de presunção de 32% para fins de IRPJ e CSLL, e que seriam isentas de PIS e Cofins, especificamente no caso por representar ingresso de divisas do exterior.

Posteriormente, em 2012, foi sancionado o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que inovou ao ser o primeiro dispositivo legal a trazer uma definição objetiva de crédito de carbono. No inciso XXVII do art. 3º, ficou definido que para os efeitos do código, um crédito de carbono é “título de direito sobre bem intangível e incorpóreo transacionável”.

Em que pese a legislação ambiental não tenha efeitos automáticos sobre o ordenamento tributário, é um fato que esta definição vem ao encontro do entendimento exarado anteriormente pela Receita Federal, reforçando sua validade. Os poucos precedentes judiciais acerca do tema, também vão no mesmo sentido conceitual1.

Todavia, em maio de 2022, foi publicado o Decreto nº 11.075/2022 que instituiu o chamado Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa. Esta normativa, definiu o crédito de carbono como um “ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado”.

O tratamento de ativo financeiro dispendido aos créditos de carbono pelo decreto lançou novas dúvidas sobre a tributação a ser oferecida nas operações envolvendo estes ativos, como a possibilidade da cobrança de IOF, por exemplo.

Esta definição legal, porém, durou pouco tempo. Em junho deste ano, foi publicado o Decreto nº 11.550/2023, que trouxe uma série de disposições no âmbito da gestão do combate às mudanças climáticas, dentre as quais, a revogação da íntegra do texto do Decreto nº 11.075/2022, sem a definição de um conceito específico a respeito do crédito de carbono.

É importante destacar que não houve nenhum pronunciamento por parte da Receita Federal ou do CARF na vigência do Decreto alterando o entendimento exarado anteriormente, do que se pode entender que, do ponto de vista do Fisco Federal, a interpretação é de os créditos de carbono sempre se caracterizaram como um intangível.

Temos ainda, que não é possível amoldar os créditos de carbono a nenhuma classe de ativos financeiros mais tradicionais, como certificados de recebíveis ou letras de crédito, por exemplo.

Diante deste cenário, nosso entendimento é que, de fato, esta interpretação, de que os créditos de carbono são ativos intangíveis, é a mais adequada, sobretudo considerando a especificidade das operações envolvendo sua constituição e comércio, bem como, a disposição legal ainda vigente do Código Florestal.

Com isso, temos que as operações de venda de créditos de carbono caracterizam na verdade uma cessão de direitos, tributável pelo IRPJ/CSLL e PIS/Cofins conforme as especificidades do regime tributário a que a empresa está enquadrada.

Ainda, é importante destacar que, tendo em vista que a operação é tão somente uma cessão de direitos, não há o que se falar em circulação de mercadoria ou prestação de serviço, de modo que, em nossa avaliação, a comercialização dos créditos de carbono está fora do campo de incidência do ICMS e do ISS.


1Vide: TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.09.001076-1/PR, Rel. Joel Ilan Paciornik, 29/02/2012.

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