Quero constituir a minha startup.

Quais os cuidados societários que devo tomar?

É natural a ansiedade do empreendedor em querer partir imediatamente para a operacionalização da sua ideia de negócio. Sem dúvidas, o entusiasmo do empreendedor apaixonado e as questões comerciais, financeiras e de tecnologia da informação do negócio são fatores extremamente importantes para aquele que busca um diferencial no mercado. No entanto, a constituição de uma startup não pode ignorar certas questões jurídicas, que, caso não sejam devidamente discutidas, organizadas e regulamentadas no início do negócio, poderão trazer prejuízos irreparáveis no futuro.  Um dos grandes pilares jurídicos que pautam o início da vida da startup é o direito societário. Essa área do direito trata, em boa medida, das relações gerais entre os sócios da empresa e as relações da empresa com seus stakeholders (fornecedores, bancos, credores, enfim, todos aqueles que participam de certo modo da vida da empresa). Diz-se que o direito societário aborda relações gerais, eis que não abarca relações específicas mantidas entre a empresa e seus funcionários (que é tratada pelo direito do trabalho) ou com o fisco (que é tratado pelo direito tributário), por exemplo, mas destina-se a tratar de temas do sócio com os demais sócios (como as deliberações sociais) e a relação da empresa com outras empresas (como os contratos firmados com parceiros comerciais).  Abordaremos abaixo, portanto, os principais cuidados societários que o empreendedor deverá tomar na constituição de sua startup  1. Providências preliminares   Junto com a ideia inovadora, normalmente o empreendedor já começa a se movimentar para dar um nome àquele negócio que resolverá determinado problema de mercado.   Entretanto, pouco se sabe que é a Junta Comercial do estado da sede em que se estabelecerá startup e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) os principais órgãos que possuem a finalidade de proteger juridicamente o nome empresarial e a marca da empresa, respectivamente. Portanto, são nestes órgãos em que o empreendedor deverá, antes de tudo, realizar uma consulta de viabilidade de nome empresarial e de marca nominativa e, em caso de não haver registro de outro usuário com estes dados, é onde o empreendedor deverá garantir a proteção do referido nome e da marca.   Com os respectivos registros, o empreendedor não correrá o risco de ser notificado pela utilização ilegal do nome ou marca de titularidade de outra pessoa e tampouco será impedido de continuar suas atividades. Pelo contrário, o empreendedor terá a proteção e segurança para utilizar, livremente, o nome e a marca que idealizou para a sua startup. 

2. Contrato Social/ Estatuto Social e Acordo de Sócios   Contrato Social (para as sociedades limitadas) ou o Estatuto Social (para as sociedades por ações) são os documentos primordiais que oficializarão a criação da startup. Neles, são estabelecidas as principais regras que regerão o relacionamento dos sócios, de acordo com as particularidades de cada startup. Tais documentos devem ser levados a registro na Junta Comercial da sede da startup a fim de dar publicidade a terceiros.  É fundamental que todas as cláusulas destes documentos sejam redigidas de forma clara e exatamente tal como discutido e decidido pelos sócios, em harmonia com a legislação vigente, de modo a evitar divergências futuras de interpretação e/ou disputas societárias.  O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao Acordo de Sócios, documento também firmado pelos sócios, que por sua vez complementará as disposições do Contrato ou Estatuto Social. O Acordo de Sócios, a seu turno, não necessita de arquivamento na Junta Comercial e é utilizado para os interesses exclusivos dos sócios, regulamentando certas matérias que a princípio não serão disponibilizadas a terceiros e ao público em geral, tais como regras específicas de direito de voto (por exemplo, tag along drag along), regras de saída e ingresso de sócios e apuração de haveres.  Diante disso, elencamos abaixo os principais tópicos e questionamentos que devem existir ao elaborar o Contrato Social ou Estatuto Social e o Acordo de Sócios da sua startup. 

  • Regras para admissão, retirada e exclusão de sócios. Os sócios poderão se retirar livremente da empresa? Quem poderá entrar na empresa? Familiares? Quaisquer terceiros? 
  • Metodologia para avaliação da participação societária (valuation)Se algum sócio sair da empresa, como será avaliada a participação do sócio retirante? Será que o sócio excluído por falta grave deverá ter o mesmo tratamento de valuation do sócio que apenas se retirou da empresa? 
  • Regra para evitar a diluição da participação dos sóciosHá interesse de recebimento de uma rodada de investimentos de um investidor na startup num futuro próximo? No caso de um investidor com capacidade aquisitiva considerável, não seria recomendável estabelecer regras para evitar que as participações dos sócios fundadores sejam diluídas no futuro? 
  • Política de voto dos sócios. Quais matérias devem ser aprovadas pela unanimidade ou por um quórum acima da lei pelos sócios?  
  • Poderes de representação dos administradoresOs administradores terão poderes livres para representar a empresa? Quais atos (perante os órgãos da administração, bancos, para assinar cheques etc.) poderão ser praticados pelo administrador de forma isolada? 
  • Regras de não concorrência e não aliciamentoOs sócios poderão participar de um negócio com atividade concorrente com as atividades da startup? Se não, qual o prazo e delimitação geográfica de proibição? 

 3. Definição do tipo societário   Os três tipos societários mais largamente utilizados são a sociedade limitada (LTDA), sociedade por ações (S/A) e Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI).   A EIRELI sempre foi utilizada para aqueles empreendedores que desejavam constituir uma empresa com apenas um sócio, já que era o único tipo societário que permitia a unipessoalidade de sócios. Porém, EIRELI exige que o capital social da empresa seja de, pelo menos, 100 vezes o valor do salário-mínimo vigente à época da constituição da empresa, sendo o valor devidamente integralizado na empresa no ato de constituiçãoCom o surgimento da possibilidade de a sociedade limitada possuir apenas um sócio, a partir de 2019, a EIRELI perdeu sua utilidade, já que a sociedade limitada unipessoal não exige um valor de capital social mínimo.  Por este principal motivo, é possível se afirmar que o tipo societário mais utilizado, não só para as startups, mas para todas as empresas brasileiras, é o de sociedade limitada. Os outros motivos que podem ser destacados para opção deste tipo societário para startups é a possibilidade de se adotar o regime favorecido de tributação do Simples Nacional e pelo fato de o dia a dia da empresa exigir menos burocracias, como por exemplo a não necessidade de publicação de suas demonstrações financeiras anualmente.  Já a sociedade por ações ou sociedades anônimas podem ser mais interessantes às startups em um estágio mais avançado, em princípio, já que este tipo societário possui uma maior aceitação de investidores institucionais e qualificados, como fundos de investimento. Um grande motivo para isso é porque, nesse tipo societário, há uma possibilidade de não tributação do ágio sobre o investimento aportado pelo investidor na sociedade por ações. Há também outros motivos que são considerados: possibilidade de aprovação de matérias mediante o quórum de 50% + 1 dos acionistas e maior discrição dos sócios e de operações de transferência de ações.  4. Registro nos órgãos reguladores A depender da atividade econômica que será desenvolvida pela startup, ela deverá obter os registros necessários perante o órgão que regula aquela determinada atividade. Se a startup for desenvolver atividade de comércio exterior, por exemplo, deverá ela possui registro no Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX). Outro exemplo é se a startup tiver como atividade a atuação como instituição financeira terá que possuir registro no Banco Central do Brasil.  Por isso, é fundamental que a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) seja escolhida com cautela para a startupalém de que o objeto social seja bem descrito no Contrato Social ou Estatuto Social, a fim de atender à legislação regulatória e evitar que órgãos indesejados venham a fiscalizar a startup pela adoção equivocada de certa CNAE, inclusive com a imposição de multas.  5. Contratos com stakeholders  Negócios com bancos, prestadores de serviços e clientes serão realizados pela startup e deverão, sempre que possível, ser formalizados em contrato escrito. O contrato escrito trará previsibilidade às partes e evitará divergência de interpretações futuras, além de eventuais litígios. Cada contrato possui sua particularidade e deverá ser elaborado individualmente, evitando-se sempre a utilização de modelos da internet.  Porém, há um cuidado especial que deve existir independentemente do stakeholder que venha a fazer negócios com a startup. É que, pelo fato de a startup possuir um serviço ou produto disruptivo, o empreendedor deve sempre ter em mente a proteção de certas informações ou dados confidenciais no âmbito da startup, que não poderão ser divulgados terceiros ou utilizados em benefício próprio do stakeholder contratado. Imagine, por exemplo, que a startup precise firmar um contrato de prestação de serviços com um desenvolvedor, que será responsável por desenvolver um sistema de informações da sua startup. O desenvolvedor, certamente, terá acesso à base de dados e por vezes o segredo de negócio da sua startup, que deve assegurar que o desenvolvedor não utilize tais dados confidenciais em seu benefício próprio ou os divulgue a terceiros.  Nessas situações é extremamente recomendável que seja formalizado um Acordo de Confidencialidade (Non Disclosure Agreement – NDA) com o respectivo stakeholder que terá acesso às informações confidenciais da startup, prevendo cláusulas que obriguem o stakeholder a não as divulgar ou as utilizar em benefício próprio, sempre zelando pelo mais absoluto sigilo das informações confidenciais que o stakeholder vier a ter acesso.  Conclusão   A startup que, desde o estágio inicial, atender a todos os cuidados jurídicos necessários não só atenderá à legislação e evitará prejuízos futuros, mas também possuirá uma grande vantagem competitiva perante os concorrentes, investidores e o mercado em geral.  Num mercado cada vez mais competitivo, possuir “a casa em ordem”, sem dúvidas, será um importante poder de barganha para o empreendedor que pretende obter ganhos escaláveis e desenvolver sua startup de forma sólida.  Por Enricco Crisostomo Pasquali  A Equipe DMGSA – Domingues Sociedade de Advogados permanece à disposição para esclarecimentos adicionais sobre o tema acima.  ]]>