Por que um contrato precisa ter testemunhas?

O dia a dia do empresário impõe a assinatura de contratos. Bem lá no final, na última página do contrato, tem aquele campo de assinatura por duas testemunhas, não raras vezes esquecido e não preenchido. 

Mas para que servem as testemunhas em um contrato? Seria simples praxe ou a presença de testemunhas gera algum efeito jurídico? Em que pode alguém ser implicado pelo fato de ter comparecido em determinado contrato como testemunha? 

(i) Efeitos da inclusão de testemunhas em um contrato

Contratos assinados pelas partes e por duas testemunhas permitem ao credor executar uma obrigação não cumprida com celeridade, podendo acarretar considerável economia de tempo e dinheiro com processos judiciais, se comparado ao mesmo contrato sem testemunhas. 

Para contextualizar, os processos podem ser classificados como: (i) de conhecimento; e (ii) de execução. O primeiro busca demonstrar a existência de um direito no caso concreto. Já o processo de execução permite ao credor executar diretamente um direito cuja existência é incontroversa. 

O Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), em seu artigo 784, III, estabelece que “o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas” é um título executivo. Como tal, considera-se que a existência do título é incontroversa, de modo que o credor pode executar o título por meio de um processo de execução, desde que presentes os demais requisitos legais (1). 

Essa possibilidade de ingressar diretamente com a execução se aplica também a outros casos em que a Lei expressamente elenca, como obrigações descumpridas originadas em: nota promissória (art. 784, I do CPC) e escritura pública (art. 784, II do CPC), dentre outros títulos previstos no artigo 784 do CPC. Todos esses documentos são tidos como Títulos Executivos Extrajudiciais.

Um exemplo ajuda a compreender melhor. Suponha-se um contrato de compra e venda de uma empresa, sem assinatura de testemunhas, no qual o comprador não tenha pago o preço na data estipulada. Nesta hipótese, tendo em vista que o contrato não está assinado por duas testemunhas, ele não será considerado um título executivo extrajudicial, exigindo que o vendedor primeiro ingresse com um processo de conhecimento para demonstrar: a existência da venda da empresa, a obrigação do comprador em pagar certa quantia ao vendedor e que este não pagou o preço no prazo estipulado no contrato.

Neste processo hipotético ocorrerão vários atos processuais: petição inicial; contestação; réplica à contestação; audiências, sentença, diversos recursos etc., o que pode levar anos, quando não décadas. Tudo para demonstrar que a compra e venda realmente ocorreu e que o vendedor da empresa tem o direito de receber o preço estipulado. Somente após vencida esta fase poderá ser proposta a execução.

Após todos esses procedimentos e anos de litígio, o vendedor terá uma decisão judicial (2) final que, quiçá, lhe conferirá o direito de cobrar a dívida do comprador da empresa. 

Uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (3) mostrou que no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná demora, média, 4 anos e 4 meses, até que seja proferida a sentença em um processo de conhecimento, sem contabilizar os diversos recursos que podem questionar a sentença.

Se o contrato tivesse sido assinado por duas testemunhas isto poderia ter sido evitado.

(ii) Exceção à regra: título executivo mesmo sem testemunhas 

O Superior Tribunal de Justiça (4) criou uma exceção à regra, declarando que é título executivo extrajudicial o contrato sem a assinatura de duas testemunhas desde que seja assinado pelas partes por assinatura eletrônica qualificada, com certificado digital (mais informações leia nosso artigo “A assinatura eletrônica tem validade jurídica?” acessando o link). 

O fundamento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça foi de que em contratos assinados eletronicamente “agrega-se a eles autenticidade e integridade mediante a certificação eletrônica, utilizando-se a assinatura digital devidamente aferida por autoridade certificadora legalmente constituída, parece-me mesmo desnecessária a assinatura das testemunhas”. 

O racional é o seguinte: as duas testemunhas do contrato possuem a função de atestar a existência, integridade e autenticidade do documento o que, no mundo tecnológico de hoje, é substituído pela autoridade certificadora que comprova que na data de assinatura do contrato aqueles signatários assinaram, de fato, aquele documento e que não houve alterações posteriores no arquivo. 

Em decisão recentíssima, o Superior Tribunal de Justiça, reafirmou este posicionamento nos seguintes termos: “diante da nova realidade comercial, em que se verifica elevado grau de relações virtuais, é possível reconhecer a força executiva de contratos assinados eletronicamente, porquanto a assinatura eletrônica atesta a autenticidade do documento, certificando que o contrato foi efetivamente assinado pelo usuário daquela assinatura”. (5)

Contudo, há tribunais estaduais que ainda não estão nesta toada, como, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ainda, existe uma divergência doutrinária sobre o tema, parte concorda que o contrato assinado eletronicamente é um título executivo extrajudicial, diante da possibilidade de certificar a integridade e autenticidade do documento, e outros discordam, pois não existe esta provisão legal.

Assim, a recomendação continua sendo a de inclusão das testemunhas nos contratos, mesmo os assinados eletronicamente. 

(iii) Responsabilidade da testemunha em contrato não cumprido

Conforme já definiu o STJ (6), a assinatura da testemunha é um requisito para além do que está escrito no contrato, é uma formalidade para comprovar a existência e validade do contrato e que lei impõe para que este adquira a qualidade de título executivo.

Inclusive há decisão nesse tribunal que entende por válida a assinatura de testemunhas mesmo que posteriormente às das partes no contrato, possuindo um caráter meramente instrumental.

Logo, não se cogita que as obrigações contraídas pelas partes do contrato possam ser cobradas das testemunhas, que podem ficar tranquilas quanto à responsabilidade por disposições do contrato. No entanto, eventualmente, testemunhas de um contrato podem ser chamadas a depor a fim de esclarecer o contexto em que o contrato foi assinado ou algum outro elemento solicitado pelo julgador.

DMGSA – Domingues Sociedades de Advogados conta com um time especializado em contratos e assessoria jurídica que está à disposição para lhe auxiliar no que for necessário.